O tema que mais tem gerado discussões na política de Paraguaçu ganhou a tribuna livre da Câmara nas duas últimas semanas. A situação financeira da prefeitura — com foco na suposta dívida herdada pela atual administração — foi o centro das discussões entre os vereadores e três profissionais que atuaram na gestão passada, sob o comando do ex-prefeito Gantus Nasser.
Na noite de 20 de agosto a ex-diretora do departamento de Contabilidade e atual secretária municipal de Planejamento, Rosália Maria Ferreira, e o então chefe do controle interno Gilson Porto Prado reafirmaram aquilo que um comunicado publicado no site da prefeitura havia informado: a dívida de R$ 688.348,40 herdada da gestão anterior é real e ainda pode aumentar.
Uma semana depois, o ex-secretário de Planejamento e ex-líder do prefeito na Câmara, Élvio Nasser, enfatizou que a alegação da dívida não passa de picuinha política e que a palavra final será dada pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais. Enquanto isso, a população segue sem um parecer definitivo sobre as contas do Executivo.
Nos textos abaixo, com informações da assessoria de imprensa da Câmara de Paraguaçu, a reportagem de A Voz da Cidade destaca os principais trechos das passagens dos servidores pela tribuna livre do Legislativo municipal. Na próxima terça-feira, 3 de setembro, a Câmara deve receber o ex-secretário municipal de Administração, Marco Antônio Gomes de Carvalho, para tratar do mesmo assunto.
A DÍVIDA EXISTE E PODE AUMENTAR
Sabatinados pelos vereadores, Rosália Ferreira e Gilson Prado explicaram de maneira mais detalhada e direta algumas questões que ainda pairam sobre as contas da prefeitura. O principal problema apontado tem base numa divisão contábil que, na interpretação de uma pessoa leiga, soa como contradição. Simplificando: a gestão passada teria fechado o exercício administrativo com sobras financeiras em caixa, mas estas sobras já tinham destinação prévia (são os chamados recursos vinculados, que podem ser utilizados somente para o objetivo a que se propõem, e não para cobrir outras despesas).
A dívida alegada, portanto, diz respeito aos recursos próprios da prefeitura, que não teriam sido suficientes para cobrir os gastos feitos. Em resumo: sobrou recurso vinculado, faltou recurso próprio. Respondendo ao vereador Rafael da Quadra, a secretária Rosália falou sobre isso. “Houve a diferença, então quer dizer que o saldo bancário estava maior que a dívida. Só que a gente tem que pensar numa coisa: existem verbas que são vinculadas. São aquelas de convênio, tem que gastar apenas com convênio; o que é de educação, tem que gastar só com educação; o que é de saúde, gastar só com saúde. O problema foi esse: houve mais despesas de recursos próprios do que o dinheiro que ficou de recursos próprios para serem quitados. Se um convênio é para comprar uma ambulância, ele tem que ser para gastar com a ambulância. Eu não posso pegar esse dinheiro para pagar um recurso próprio”.
Já o vice-presidente Marlon Tomé cobrou mais transparência da gestão pública e admitiu que os vereadores precisam ser mais firmes na fiscalização. Em seguida, ele questionou por que o Executivo não enviou as informações sobre a situação financeira da prefeitura há mais tempo. “Eu acho que vocês devem ter visto como foi o nosso final de ano. Nós trabalhamos sexta-feira direto, no sábado trabalhamos direto, sem almoço sem nada, para tentar fechar o ano. No domingo fomos trabalhar também direto. Tinha fornecedor que sentava em frente a nossa mesa esperando o seu pagamento, que não tinha sido empenhado, e aquele empenho chegando naquela coisa do ‘tem que empenhar, tem que empenhar’. Teve fornecedor que brigou com a gente lá dentro, porque não tinha sido feito pagamento para ele. Aí no dia 31 de dezembro não fomos trabalhar e fiquei sabendo que fizeram pagamento também, mesmo a gente não estando lá foram realizados pagamentos. Quando nós chegamos na terça-feira, dia 2, nós tivemos que refazer tudo de novo”, explicou Rosália.
A secretária salientou que o Executivo continua buscando realizar um levantamento preciso das despesas que ainda precisam ser quitadas, já que até hoje alguns fornecedores procuram a prefeitura para receber pagamentos relativos a serviços prestados na gestão passada, com notas fiscais que nem sequer foram empenhadas. Enquanto esse trabalho não for totalmente concluído, as contas seguem em aberto e a dívida apontada pode ser maior.
VARIAÇÕES CONTÁBEIS
No fim do debate, o vereador Selmo Silva confrontou as explicações da secretária lembrando do relatório enviado pelo setor de controle interno do Executivo no mês de março, documento que apresentava números diferentes dos apresentados no comunicado posterior publicado no site da prefeitura. Rosália reafirmou a explicação que tinha dado no início, de que as contas precisam ser analisadas considerando a divisão entre recursos vinculados e recursos próprios.
Selmo também argumentou que existe uma interpretação jurídica que possibilitaria o pagamento dos restos a pagar com a verba do Fundo de Participação dos Municípios repassada em janeiro, que seria referente ao mês anterior, de dezembro. Se assim o for, a dívida alegada seria coberta pelo dinheiro do FPM que chegou no começo deste ano. Seguindo nessa linha de raciocínio, Selmo apresentou um número que inverteria o balanço da prefeitura de deficitário para superavitário. “A utilizar-se essa recomendação haja vista referir-se em verdade a arrecadação realizada no terceiro decênio de dezembro e tendo em vista que o valor recebido pelo município referente à primeira parcela do FPM de janeiro foi de R$ 496.574,41 e que ao refazermos o cálculo apresentado, excluindo as despesas não liquidadas e incluindo a receita acima referendada pelo TCE, podemos verificar claramente a inversão dos resultados, que passa dos R$ 688.348,40 negativos para R$ 294.655,53 positivos”, argumentou o vereador do bloco de oposição.
Independentemente das incertezas que marcaram o debate na tribuna livre, o funcionário Gilson Prado ressaltou a ideia de se valorizar mais o cargo de controlador interno, função que pressupõe grande responsabilidade mas ainda é mal remunerada e pouco valorizada em Paraguaçu. “Para que os trabalhos dentro da prefeitura pudessem ser mais bem feitos e mais fiscalizados, isso depende de um funcionário que seja efetivo. O cargo de controlador hoje na prefeitura é comissionado. Isso tolhe o serviço diante da administração, porque se ele começa a pegar pesado pode ser destituído”, defendeu.
SUPOSTA DÍVIDA É QUESTÃO POLÍTICA
A acusação de que a gestão do prefeito Gantus Nasser teria deixado dívidas ao fim de seu mandato não passa de picuinha política. Foi o que ressaltou Élvio Nasser na tribuna livre da Câmara. Confrontado pelos números apresentados recentemente num comunicado publicado pela prefeitura, o homem forte da administração anterior foi veemente em sua argumentação e disse que a palavra final da questão vai ser dada pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais. “Então vai ser assim, um fala uma coisa, outro fala outra. Se foi para o Tribunal de Contas, nós vamos deixar o Tribunal de Contas julgar se é a atual administração que tem razão ou é a outra. E quanto a esse negócio de ‘Ah, está aparecendo nota todo dia na prefeitura que não foi paga, falando que está devendo’. Primeira coisa: para uma nota fiscal de uma prefeitura valer, ela tem que ter o número da concorrência — ou, se não houve concorrência, foi dentro de um limite que não precisava de concorrência, tem que ter o número do prévio empenho. Então, se cada um de vocês aí pegar uma nota de R$ 50 mil, leva lá na prefeitura com data do ano passado e fala ‘Ah, a prefeitura ficou me devendo’. Lá não é casa da mãe Joana não”, protestou. “Vai ficar aquele dito e não dito. Eu acho muito mais melhor a administração chegar e falar ‘Olha, gente, realmente não deixou débito, deixou pouco dinheiro’ — se é que acha pouco —, ‘mas eu estou com medo da crise que está entrando para o país, então não vou fazer a festa esse ano’. É muito mais bonito! Acabou, gente. É isso que tem que ser. Agora, se estava tão ruim a situação, como é que no dia 5 de janeiro foi pago o salário dos funcionários? Fez milagre? O dinheiro brotou?”, inquiriu Élvio.
O ex-líder do prefeito na Câmara cobrou da atual administração a continuidade de um projeto que ele considera importante do ponto de vista social: o andamento de um suposto loteamento que, segundo ele, estaria bem encaminhado burocraticamente e poderia beneficiar cerca de 600 pessoas em Paraguaçu. A mesma postura foi adotada quanto à escolinha Zico 10.
Em resposta a questionamentos do vereador Selmo Silva, o peemedebista garantiu que os documentos solicitados pela equipe de transição foram disponibilizados ainda no final do ano passado. Sobre a decisão de alugar carros para uso do Executivo, Élvio defendeu a medida como sendo uma forma de economia para os cofres públicos, alegando que os custos com manutenção oneram a posse de veículos.
BANCO DO BRASIL, COHAB E DOM BOSCO TAMBÉM NA PAUTA
A reativação do Banco do Brasil também entrou na pauta, tópico em que o ex-secretário lamentou a suposta falta de boa vontade do atual prefeito em ceder a sede da prefeitura para servir ao banco.
Quanto à falta de merenda escolar verificada no começo deste ano, Élvio criticou a demora da atual administração em promover a licitação para a aquisição dos alimentos. “Lógico que não ficou merenda para todas as escolas, porque elas entram em férias. O prefeito não pode deixar nas férias de dezembro e janeiro, porque vai perder a merenda escolar. Mas vamos pôr que não tivesse deixado nada. A obrigação da administração atual é fazer a licitação e comprar. Eles têm 15 dias para fazer a licitação. Vamos supor que entrou no primeiro dia e não deu. Depois de dez, quinze dias que ele tivesse, ele fazia a licitação e no dia 30 de janeiro a merenda estava sendo entregue e já estava aí na prefeitura. Agora por que só fizeram em março a licitação para a merenda escolar, mandando aluno levar de casa?”.
No caso da pendência que ainda mantém a quadra esportiva da Cohab interditada, Élvio revelou que houve um erro de cálculo de engenharia da prefeitura e demora na execução do serviço por parte da empreiteira, mas que o próprio Executivo pode concluir a reforma com um aporte de R$ 20 mil a R$ 30 mil. Perguntado sobre o projeto não concluído de revitalização paisagística da Avenida Dom Bosco, o peemedebista também creditou o problema à impossibilidade de liberação de verbas no período eleitoral, mas não se furtou a criticar a postura da atual gestão em abandonar as palmeiras já plantadas.