FUNCIONALISMO PÚBLICO
Uma matéria que vai gerar significativos desdobramentos à administração municipal ganhou o plenário da Câmara na tarde de 1º de março. Depois de um mês de análise, os vereadores apreciaram o veto do prefeito José Tibúrcio do Prado Neto ao projeto de lei que concedeu o reajuste salarial para o funcionalismo público municipal. Considerada uma das matérias mais delicadas a passar pelo Legislativo nos últimos anos, o veto dividiu os vereadores e levantou um debate intrincado sobre os caminhos da gestão pública municipal.
O imbróglio teve início na tarde de 20 de janeiro, quando os vereadores aprovaram unanimemente, em reunião extraordinária, o projeto de lei 002/2016, que concedia a revisão geral e anual aos servidores públicos municipais. A revisão é um mecanismo constitucional que visa salvaguardar os vencimentos dos servidores públicos das perdas inflacionárias. Sempre no começo do ano os vereadores de Paraguaçu se debruçam sobre o projeto de lei enviado pelo prefeito.
Agora em 2016 o índice de reajuste estabelecido foi de 11,28%. O percentual representa a inflação acumulada nos últimos 12 meses de acordo com a medição do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). O problema verificado é que o projeto garantia de maneira peremptória: o reajuste salarial “não afetará os limites de gastos com pagamento de pessoal, estabelecidos pela Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000”; e “a recomposição ora concedida está prevista no Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária vigente”.
REVIRAVOLTA
Mas não foi bem o que se verificou mais adiante. Em 2 de fevereiro, menos de duas semanas depois da aprovação na Câmara, o Executivo enviou o veto ao reajuste, uma insólita desaprovação a uma proposta de sua própria autoria.
De acordo com o documento enviado ao Legislativo, a decisão surgiu a partir do consenso entre a cúpula da Prefeitura, as secretarias municipais, a procuradoria geral e a consultoria jurídica do município. O texto admite “precipitação ao encaminhar o projeto de lei [do reajuste] à Câmara Municipal” e afirma que a aprovação afronta o artigo 169 da Constituição Federal e o artigo 19 da chamada Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como determina a lei, os municípios não podem exceder o percentual de 54% da receita corrente líquida com despesa com pessoal no âmbito do Executivo. No caso de Paraguaçu, esse índice atualmente é de 51,49%, mas a revisão geral elevaria a folha para um patamar superior ao limite permitido. Por outro lado, caso não conceda o reajuste salarial o município estaria infringindo uma determinação constitucional.
BLOCO DE OPOSIÇÃO
A decisão de acatar ou derrubar o veto ficou então com os vereadores, que se viram duplamente pressionados: de um lado pelo estouro das contas públicas, de outro pela insatisfação do funcionalismo público ameaçado de não ter o reajuste salarial. Não à toa, o plenário se mostrou bastante dividido quanto ao tema.
Primeiro a se manifestar, Joaquim Bocudo declarou voto contrário ao veto e afirmou que servidores e aposentados seriam prejudicados em caso de acolhimento da matéria.
“Jamais votarei a favor do veto. Respeito o voto dos demais edis mas, custe o que custar, o prefeito vai ter que exonerar gente dos cargos de confiança”,
ponderou o peemedebista, para quem o problema da gestão foi herdado do ex-prefeito Evandro Barbosa Bueno.
Já o vereador Francis da Van foi enfático ao afirmar que a situação criada com o projeto de lei seguido pelo veto assinala a imperícia da equipe responsável pelo assunto na Prefeitura. Francis retomou a votação de anos anteriores em que, mesmo sendo ideologicamente contrário, votou a favor do reajuste dos agentes políticos municipais, já que se trata de um benefício constitucional.
“Isso revela falta de competência da equipe, que tinha que ter analisado a situação antes. É uma barbaridade mandar um veto para essa Casa”,
protestou.
“No dia 1º de janeiro de 2013, quando tomei posse de vereador, e também agora em 2016, quando o novo prefeito assumiu, a gente fez o gesto com a mão direita prometendo cumprir com a Lei Orgânica e com a Constituição Federal. Se alguém votar a favor do veto, nós estamos votando contra lei, nós estamos votando contra o povo”,
emendou.
Selmo Silva foi o terceiro a se manifestar no plenário. Ele recordou que a equipe jurídica da Câmara chegou a solicitar um relatório sobre o impacto financeiro gerado pelo reajuste salarial, mas o Executivo garantiu que a revisão das remunerações não ultrapassaria os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim como argumentou Francis da Van, Selmo afirmou que acolher o veto atentaria contra a lei.
“Esse veto não tem como acatar, porque o projeto que foi mandado para essa Casa não tem nada que o desabone para ser vetado. É um projeto perfeito, como diz o parecer”,
argumentou o líder da oposição.
“A revisão das remunerações dos servidores públicos é um impositivo legal, devidamente estabelecido na lei maior do nosso país, que deve ser concedida mesmo que o limite prudencial seja ultrapassado, cabendo ao administrador público a tomada das devidas e necessárias providências para se adequar aos preceitos estabelecidos na lei”,
pontuou.
Em um discurso mordaz, Selmo criticou também a nomeação, no contexto de crise financeira, de uma profissional para uma secretaria municipal que até então estava inativa. Para ele, o exemplo deve ser dado na cúpula, e não na base da gestão, prejudicando os servidores.
“Não é coerente: o Executivo fala que não quer gastos pessoais, mas assume o governo e nomeia uma secretária, cria nove cargos, segundo rumores contratou agora mais sete estagiários e assim vai. Para pagar o salário do funcionário público que prestou concurso, que estudou, que está há muitos anos prestando serviço para o município, não tem dinheiro. Mas tem para pagar os puxa-sacos políticos, o trenzinho da alegria. Deve sim haver uma atitude do Executivo, mas tem que começar lá em cima”,
salientou.
No fim de seu pronunciamento, o líder da oposição ainda protestou contra um ofício do Executivo em que se afirma que os vereadores poderiam criar um caos caso o veto não seja acolhido. O parlamentar creditou o caos unicamente às medidas do próprio Executivo.
“Recebemos um documento nessa Casa em tom de ameaça, em que caso nós não acatemos o veto, vamos criar um caos no nosso município. Nós vereadores criar caos? Nós não contratamos ninguém, nós não mantemos o trenzinho da alegria. Esse problema é lá em cima, na Prefeitura. A Câmara não tem culpa”,
concluiu.
BLOCO DE SITUAÇÃO
Assumindo a palavra, Professor Rafael salientou que a apreciação do veto é uma das matérias mais difíceis e complexas com a qual os vereadores já lidaram. Ele explicou que o seu relatório ao veto contempla apenas os aspectos jurídicos da questão, mas que os aspectos contábeis também precisam ser considerados.
“Do ponto de vista jurídico, a questão está muito clara: o servidor tem direito ao reajuste. Entretanto, eu verifiquei que a folha de pagamento do município, que gira em torno de R$ 1,4 milhão, chegaria a R$ 2 milhões. Esse valor ultrapassaria o limite de 54%, talvez até chegaria nos 58%”,
explicou.
No cenário delineado pelo petista, o Executivo teria que promover demissões de servidores comissionados e contratados. Atualmente o município conta com 140 contratados. No mínimo 40% deles teriam que ser exonerados, o que poderia afetar a qualidade do serviço público.
“Além de provocar as demissões, ele atingiria também áreas essenciais da Saúde e da Educação, com a dispensa de motoristas, agentes, professores, monitores. E mesmo que o município mande todos os seus comissionados embora, ainda não seria suficiente, porque cerca de 51% dos comissionados são funcionários de carreira, o que então faria com que a redução na folha girasse em torno de 60%. Pelos cálculos, seria necessário demitir em torno de 90 servidores. Isso seria muito ruim. Desmontar o funcionamento da Prefeitura não é interessante”,
avaliou.
Ainda de acordo com Rafael, se houver um estouro nos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal em ano eleitoral, como em 2016, o município coloca em risco a continuidade dos convênios estabelecidos com outros entes públicos. Dessa forma, o petista anunciou o voto favorável ao veto, com a ressalva de que é necessário estabelecer uma completa reestruturação da gestão municipal, de maneira a permitir ao mesmo tempo o equilíbrio fiscal e o reajuste salarial do funcionalismo.
Líder do prefeito na Câmara, José Maria Ramos creditou as dificuldades financeiras materializadas no veto não à gestão municipal, mas ao contexto de crise nacional, que vem gerando quedas significativas da arrecadação e do repasse aos municípios. Rejeitar o veto, para ele, criaria uma situação muito difícil na prestação dos serviços públicos municipais, o que acabaria por afetar toda a população de Paraguaçu.
“Houve uma redução muito forte na arrecadação e, consequentemente, caiu a receita do nosso município, como caiu de todos os outros. Quando o Executivo enviou o projeto do reajuste, ainda não tinha acontecido essa queda tão grande”,
defendeu.
“Sem o veto, são 60 famílias desempregadas para corrigir essa situação. Seria um caos para administrar a Educação e a Saúde com a diminuição do pessoal, isso vai afetar toda a população. Sabendo disso, o prefeito mandou o veto com o compromisso de acertar essa situação”,
disse o democrata, assegurando que o prefeito já está adotando medidas para melhorar as finanças públicas e, se possível, conceder o reajuste ainda em 2016, quando o contexto for mais favorável.
PROPOSTA REJEITADA
Os vereadores Rafael da Quadra e José Maria Ramos fazem a conferência dos votos sob supervisão dos demais edis
Sem mais pronunciamentos, os vereadores partiram então para a votação do veto, que é secreta e cujos votos foram depositados numa urna na frente do plenário. A apuração apontou três votos favoráveis e seis votos contrários ao veto, o que garantiu, pelo menos na esfera legislativa, que os servidores públicos municipais recebam o reajuste salarial de 11,28%.
Confira a sessão na íntegra.
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